segunda-feira, 23 de junho de 2008

UMA HISTÓRIA ANTIGA


Nunca foi um homem ambicioso. Para falar a verdade, afora os sonhos naturais da infância, jamais se preocupou com o que seria no futuro. Engenheiro, Advogado, Médico, Professor... O pai fora um honesto trabalhador da indústria privada e que respirou aliviado, certamente, quando ele resolveu parar com os estudos. Não que o velho tivesse dito algo, mas ter um a menos para alimentar certamente melhorou seu orçamento familiar. Leitor compulsivo, escrevia bem malgrado a instrução limitada e acabou conseguindo um bom emprego, que dava para viver sem maiores problemas. Quase vinte anos mais tarde, incentivado por amigos, fez o supletivo e de posse do certificado de conclusão do ensino médio, resolveu tentar uma faculdade qualquer. Direito. Era a mais próxima da sua casa e foi para lá que se dirigiu. Até que foi aprovado com certa distinção para quem não se preparou de forma adequada - dinheiro para cursinhos, nem pensar - e, rapidamente, começou a ascender profissionalmente. Chefe de Setor, de Departamento e, finalmente ao receber o diploma de "doutor", Gerente.


Casou-se três vezes, o que complicou um pouco as finanças, já que em todos teve filhos e os mantinha condignamente. Conheci-o quando, juntos, freqüentamos os bancos da faculdade, e nos tornamos amigos, coisa rara para ele que os contava nos dedos. A partir daí vi-me inserido em algumas de suas histórias de vida, nem sempre tão agradáveis de saber. De qualquer forma, fiquei conhecendo seus (dois) amigos, mulher e filhos.


Foi com surpresa que recebi um telefonema informando que se suicidara. Os três amigos se encontraram no IML e receberam juntos o bilhete que encontraram em seu bolso. Não era um recado para os que ficaram, mas somente um pequeno poema que, para nós, foi muito mais que a justificativa para seu ato desesperado:

"Nada que eu fiz deixou saudades,

nada que plantei frutificou

nada que eu fui virou história,

nada que amei também me amou.

Insólito pela própria natureza,

verdadeiro intróito à incerteza,

no livro da vida sou um nada.

Passei por ela com a impressão

de ter sido um equívoco

e minha missão,

suspensa antes de ser iniciada."



Não mostramos o papel com a escrita de quem certamente estava sobre grande emoção, para a mulher e os filhos. De comum acordo, fiquei de posse daquele tosco poema por muitos anos e só hoje, ao tentar organizar meus documentos, reclamação eterna de minha mulher, reencontrei o papel dobrado em quatro, num envelope cuja palavra "Diversos" constava do lado de fora. Tive vontade de transferi-lo à família ou, quem sabe, para mandar gravá-lo em sua lápide, mas, pensando melhor, certamente seria reviver emoções já acomodadas em suas mentes. Mudei o papel para uma pasta com o título de "Documentos Importantes". Talvez última homenagem ao velho companheiro.

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