quarta-feira, 11 de junho de 2008

OBITUÁRIO DE UM JOGADOR



Pensava que os jogadores profissionais tivessem deixado de existir quando parei de ler histórias em quadrinhos, onde viviam naquelas barcaças que navegavam no Rio Mississipi. Ledo engano. Há alguns anos fui apresentado a um homem de meia-idade, alto, bem vestido e fluente em pelo menos, quatro idiomas. Dono de um triplex no Cosme Velho, bairro da classe média alta do Rio de Janeiro (não sei o motivo dos ricos se colocarem nessa tal de “classe média alta”) casa na serra e outro belo apartamento em Cabo Frio. Seus investimentos, segundo contou-me um amigo comum, superavam a casa de milhões de dólares, em bancos nacionais e estrangeiros.
Viveu durante anos hospedado em navios de turismo internacional, onde os cassinos eram uma das atrações ofertadas aos ricos passageiros. Um dia, apaixonou-se e o pai da moça recusou-se a aceitá-lo se não tivesse um emprego "digno e honesto". Fez concurso para a Petrobrás, passou em primeiro lugar e em alguns anos galgou postos executivos, com uma eficiência que o fez bem vindo nas festas dadas pelos figurões da empresa, principalmente quando havia uma mesa forrada de veludo verde.
Certo dia cansou da vidinha monótona atrás da escrivaninha de trabalho e resolveu abrir uma Consultoria Financeira, onde aconselhava e orientava grandes fortunas em aplicações de risco. Os bens que paralisara quando resolveu ter uma vida "honesta", voltaram a crescer geometricamente. Afirmam alguns homens de mercado que chegou a ser sondado para participar da equipe do mega especulador Soros, o que não lhe interessou, visto que teria de sair do Brasil, onde filhos já alcançavam as faculdades e a velha mãe vivia seus últimos anos.

Tocava bem piano, fazendo uso das mãos de dedos longos para não perder a agilidade; entregava-se a exercícios onde calculava mentalmente os resultados - sempre corretos - de multiplicações com seis colunas de números no multiplicador. Além das mágicas onde fazia cartas de baralho aparecerem e sumirem, inventava mesas de pôquer em nossos horários de almoço só para, na terceira rodada, informar quais as cartas cada participante tinha nas mãos, acabando com a graça do jogo.Lembro-me bem quando dizia: "Jogue sempre, o mínimo que seja, mas jogue. Você não sabe o lugar que ocupa na fila da sorte e, quem sabe, não é o primeiro?"

Bom garfo e bom bebedor, nunca dispensou o cigarro "muleta psicológica" que o ajudava a resolver problemas sérios, segundo ele. Aí estava o único risco que não soube calcular. Foi-se após um derrame violento que o deixou sem reconhecer, sequer, os que lhe cercavam. Deve ter odiado perder seu último jogo, o da vida.

Nenhum comentário: