Não que fosse melhor ou pior que nenhuma das outras meninas do bairro. Só era mais alta, muito mais alta. Aí estava a diferença que fazia dela única, porém rejeitada pelas coleguinhas que se sentiam preteridas, já que nas festas Roberta, embora quase uma criança, chamava para si os olhares dos rapazes mais velhos.
Era sempre a última na fila que encaminhava os alunos para as aulas e obrigada a sentar no fundo da sala, para não atrapalhar a visão dos companheiros; o que se achava engraçado quando feito por qualquer menina da sua idade, era sempre tratado como uma bobagem fosse ela a autora: "afinal uma menina desse tamanho fazendo coisas de crianças mais novas..."
E assim foi levando a vida. Continuou crescendo e na faculdade acabou convidada a participar do time de basquete, mas preferiu o lançamento de dardos, onde adquiriu o respeito dos demais atletas, ao bater o recorde universitário na modalidade. Aí surgiu um novo problema, passou a ser considerada masculina demais e, novamente, deixada de lado pelas companheiras.
Conheci Roberta já com seus dezenove anos, atleta consagrada e que viajara pelo mundo, graças às marcas alcançadas, mas era tímida e pouco comunicativa. A vida lhe ensinara que, assim, tinha menos chances de ser maltratada. Um dia, fez um comentário que sintetizava tudo o que se passava: "Todo mundo acha que a gente por ser alta e forte, não sente dores e ignora sentimentos... Não imagina os tapas que recebo nas costas como cumprimentos e o que escuto de cruezas..."
Foi uma surpresa geral quando, um dia, viram-na de mãos dadas com um rapaz bem mais alto e bonito. Era também atleta e tinha vindo de outro país para fazer pós-graduação na faculdade que Roberta freqüentava. Enamoraram-se e algum tempo mais tarde, a moça se transferia para a terra do namorado com quem se casou.
Passaram-se os anos e há pouco tempo, quando tomava um chope com amigos na beira da praia, tive minha atenção provocada quando me apontaram aquela senhora altíssima, que passava pelo calçadão. Era ela.
Festejou o encontro e me apresentou ao neto, enorme também e que mal falava o português. Mudara-se para a Suécia, onde teve filhos, netos e, agora, voltara ao Brasil para resolver assuntos relativos a uma herança deixada pela mãe, falecida havia pouco.
Fiquei sabendo que tão chegou por lá, abandonou os esportes e se tornou uma respeitada professora de educação física, numa terra onde sua altura não fazia grandes diferenças junto a outras mulheres. Nunca mais voltara ao Brasil e quando perguntei o motivo, a resposta foi como um desabafo: "Lá tornei-me alguém que conseguia andar anônima no meio da multidão. Ninguém falava sobre minha altura e passei a me sentir, pela primeira vez na vida, uma pessoa considerada normal. O que viria fazer por aqui?".
Não pude deixar de lhe dar toda razão. Despedi-me na certeza de que não mais a veria, enquanto a observava continuando sua caminhada, chamando atenção dos demais passantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário