terça-feira, 3 de junho de 2008

HISTÓRIA DE UM POETA

Depois do segundo ou terceiro chope, o garçom já deixava à sua disposição um maço de guardanapos de papel e a esferográfica. Era o momento em que começavam a surgir poesias falando de amores, traições ou, simplesmente, mandando o professor da vez para algum lugar menos agradável.
Rimas e métricas perfeitas faziam com que explodíssemos em gargalhadas ou tentássemos identificar quem era o corno citado. Durante as aulas, não passava de um entre os demais alunos. Não fedia nem cheirava como dizia o Péricles, após modificar uma adjetivação mais agressiva, bosta seca, imposta pelos protestos dos companheiros menos acostumados ao palavreado chulo daquele português da segunda geração.
Aliás, aqui cabe um comentário: Os filhos dos japoneses nascidos por aqui, são chamados nisseis, os netos sanseis. O Péricles, neto de portugueses, segundo a alegre rapaziada, não passava de um "Não Sei", comentário respondido com o conhecido gesto do polegar encontrando o indicador.
Depois das provas, sempre marcadas para as manhãs de sábado, cumpria-se o ritual de encerramento da semana, cuja passagem obrigatória era no bar da esquina. Ali surgia o vate ("Vate pro raio que te parta", era o infame trocadilho-resposta dado aos que ousavam chamá-lo dessa forma), amassando guardanapos após as primeiras tentativas de iniciar seus poemas, enquanto consumia sua ração básica de chope e batatas fritas, combustíveis indispensáveis à chegada da inspiração.
O tempo passou. Mais de trinta anos e encontro o Péricles na Rua São José, calvo, de óculos e um pouco curvado, segurando na mão esquerda a pasta, credencial dos advogados em serviço. O chope foi inevitável e as lembranças daqueles tempos, dos companheiros, dos namoricos escondidos, mas que todo mundo sabia, fatais.
A pergunta sobre o poeta, natural. A resposta amarga. Suicidou-se. Um caso de amor mal resolvido que acabou com um tiro na têmpora. A garganta não aceitou mais a bebida e, juro, vi um guardanapo amassado sobre o balcão do botequim, parecendo conter um borrão de tinta.

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