Era uma figura frágil. Da janela de sua casa humilde, deixava o olhar se perder nos morros que impediam um horizonte longínquo. O marido, visivelmente mais jovem, um bêbado inveterado que nada fazia para colocar centavos que fossem, na manutenção do casal. Pelo contrário, saíam dela as despesas com as cachaçadas diárias.
Lavava e passava para quem pudesse pagar e seu trabalho bem feito, sem uma ruga nos tecidos e doses certas de goma nos colarinhos das camisas masculinas.
A casa, quase um barraco, era limpa e nas prateleiras da cozinha, os poucos alimentos guardados em latas bem conservadas e os chamados panos de mão, alvos e com aplicações feitas à mão, trocados quase todos os dias.
Quando o marido se foi dessa para uma melhor, após uma bebedeira daquelas, e pelo qual colocou luto fechado por um ano, já era conhecida como respeitável rezadeira, com fama que atravessava as fronteiras do município.
Não era fácil controlar o número de pessoas que a procuravam, já que não admitia deixar de atender seus, digamos, clientes, sem provocar desconfortáveis encontros entre um e outro enquanto trabalhava.
Nada aceitava em troca de suas rezas. Nada. Afirmava sempre que um dom recebido de Deus não podia ser cobrado. A realidade é que sua fama aumentava, graças às curas proclamadas pelos portadores de diferentes mazelas.
Diziam as línguas ferinas, que chegou a ser investigada pelos médicos interessados em processá-la por exercício ilegal da profissão. Mas como acusá-la por rezar? Nunca receitara sequer um chá de ervas e seus materiais de trabalho não passavam de robustos ramos de arruda, água e carvão, este um verdadeiro “termômetro”, já que de acordo com a gravidade do “peso” trazido pelos clientes, descia ou subia no copo de água e dava a ela a dimensão de como sacudir a arruda sobre o corpo do doente. Ah, sim, durante as sessões, murmurava preces ditas de forma ininteligível, por mais atentos fossem os ouvidos que a cercavam.
Tranqüila, olhos bons e fala doce, conquistava a todos e chegada a velhice, uma boa alma alojou-a em outra casa, mais nova e menor que a anterior, economizando-lhe as forças e o dinheiro do aluguel, pago pela vida inteira. Perdeu a vista dos morros verdes, mas ganhou um pequeno quintal, onde as flores a entretinham. Talvez a mesma pessoa tenha lhe garantido a comida quando deixou de trabalhar, mas nunca falou a respeito, talvez até proibida por seu benfeitor.
Quanto às rezas, continuaram pelos tempos, para desespero do padre local que ao tentar proibir sua permanência durante as missas, recebeu ordens expressas do bispo para não mexer com ela. Mais uma vez aquelas línguas já citadas, veicularam ter o senhor bispo uma parenta curada pela velhinha...
Numa manhã fria, não abriu suas janelas e foi encontrada sobre a cama, toda arrumada como se estivesse preparada para passear, com uma flor nas mãos. Certamente previra o fim se aproximando e mesmo na morte, procurou evitar dar trabalho para os outros.
Enterrada com pompas reservadas para autoridades e afins, fez rir aos que conhecendo a história, assistiram o tal padre encomendando sua alma, talvez aliviado pelo fim da concorrência.
Suas proezas tornaram-se quase uma lenda e o túmulo onde foi enterrada, marcado apenas por uma pesada pedra, está sempre coberto de flores talvez trazidas pelos que se beneficiaram por suas rezas ou, quem sabe, de algum dos milagres que lhe são atribuídos em conversas à baixa voz pelas velhinhas da cidade. Não posso deixar de imaginar sua “descoberta” pelo Vaticano e a cara do velho padreco, fazendo simpáticas orações para não ficar mal com a nova santa.
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