Idéias que vem e vão, mas não esperam o rápido movimento de alcançar o lápis e o papel. Já ouvi muitos escritores e jornalistas importantes falarem a respeito desse momento. Alguns, inclusive, escrevem sobre assuntos aleatórios, naquela hora em que a mente tornou-se uma folha em branco.
O interessante é que as histórias vão surgindo, vagarosamente, fluindo de um canto qualquer e brotando na ponta dos dedos. Magia, mistério? Creio que não. A partir do instante em que resolve desenvolver qualquer idéia, muitas vezes que ele próprio não sabe qual é, o autor exercita seu íntimo, onde os casos são arquivados numa mistura anárquica e vai organizando, disciplinando, todo aquele material e fazendo com que sejam trazidas ao papel, para assombro dos não acostumados a brincar com textos, velhas histórias – verdadeiras ou não – criadas, contadas, como se sua capacidade inventiva as estivesse curtindo há mil anos.
Costumo explicar aos curiosos, que a arte de escrever baseia-se na leitura e no exercício da escrita. No princípio, achará que é tudo um monte de tolices, mas com o tempo a tal ordenação se fará presente e não o deixará jamais.
As idéias justificam-se nas observações feitas vida afora e que podem aproveitar do vôo de um beija-flor até figuras que passam por nós, nas ruas. O treino as fará despreocupadamente eternas, embora você nem desconfie disso.
E aí, então, poderá surgir um novo cronista.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
O APAGÃO
O apagão que tantas consequências trouxe para o país na passagem dos dias dez para onze deste mês, deu-me a certeza definitiva, sobre a nossa dependência de uma pequena máquina chamada micro.
Ao chegar ao trabalho, fui informado que estávamos sem acesso a inter, intra e outros prefixos utilizados pela NET. O servidor tinha sofrido uma pane e, eu, passava a sofrer de pânico. Nem um arquivo, agenda cega e muda, mas o telefone que não foi vítima do apagão, trazendo perguntas sem respostas de clientes dos quais vêm o salário nosso de cada mês.
A inatividade gerou idéias improváveis, tais como organizarmos um carteado entre os poucos colegas que tinham conseguido chegar no horário, já que a maioria foi vítima dos semáforos enlouquecidos pela falta dos sistemas que os controlavam, dando um nó no trânsito da cidade.
Nem isso, entretanto, era possível, já que os únicos baralhos por ali, seriam os virtuais que, assim como um monte de joguinhos deliciosos e que fariam o tempo passar, estavam "presos" na tal maquininha.
A solução foi colocar o papo em dia e um pensamento futurista em que um apagão imobilizasse o servidor do Big Brother deste planetinha azul. A bagunça seria apresentada a um povo já então dependente total do mundo virtual.
Ainda bem que ainda me restaram papel e lápis.
Ao chegar ao trabalho, fui informado que estávamos sem acesso a inter, intra e outros prefixos utilizados pela NET. O servidor tinha sofrido uma pane e, eu, passava a sofrer de pânico. Nem um arquivo, agenda cega e muda, mas o telefone que não foi vítima do apagão, trazendo perguntas sem respostas de clientes dos quais vêm o salário nosso de cada mês.
A inatividade gerou idéias improváveis, tais como organizarmos um carteado entre os poucos colegas que tinham conseguido chegar no horário, já que a maioria foi vítima dos semáforos enlouquecidos pela falta dos sistemas que os controlavam, dando um nó no trânsito da cidade.
Nem isso, entretanto, era possível, já que os únicos baralhos por ali, seriam os virtuais que, assim como um monte de joguinhos deliciosos e que fariam o tempo passar, estavam "presos" na tal maquininha.
A solução foi colocar o papo em dia e um pensamento futurista em que um apagão imobilizasse o servidor do Big Brother deste planetinha azul. A bagunça seria apresentada a um povo já então dependente total do mundo virtual.
Ainda bem que ainda me restaram papel e lápis.
quinta-feira, 30 de julho de 2009
PESADELO
O silêncio a minha volta, encheu-me de medo. As recordações das quais tentava fugir voltaram aos turbilhões e eu, que tanto as evitara, senti-me reconfortado em tê-las junto a mim, enquanto a escuridão tomou conta de tudo.
O barulho dos grilos, os rumores das águas de um córrego que não via, o farfalhar das folhas, tudo aquilo que sempre considerava poético inspirava-me uma angústia terrificante.
Procurei inutilmente por um cigarro. Olhei em torno, em vão, tentando identificar entre as sombras, um vulto amigo que me desse atenção. O desespero tomou conta de mim. Levantei-me e corri, arranhando-me nos espinhos e galhos invisíveis da minha loucura.
Finalmente caí. Senti meus lábios febris tocarem em outros que, aos poucos, foram devolvendo a resistência e a vontade de viver ao meu corpo frio. Lutei contra a vontade que me impelia para o abismo do não-sei-onde e, com minhas últimas forças, gritei.
Um grito vindo do fundo do peito que expulsou todo o mal que me cercava e espantou a morte, dama que já podia ser vista no horizonte acinzentado daquele delírio. E assim abri meus olhos. Ainda te beijando, dormi o sono da tranqüilidade, que há muito não conhecia.
O barulho dos grilos, os rumores das águas de um córrego que não via, o farfalhar das folhas, tudo aquilo que sempre considerava poético inspirava-me uma angústia terrificante.
Procurei inutilmente por um cigarro. Olhei em torno, em vão, tentando identificar entre as sombras, um vulto amigo que me desse atenção. O desespero tomou conta de mim. Levantei-me e corri, arranhando-me nos espinhos e galhos invisíveis da minha loucura.
Finalmente caí. Senti meus lábios febris tocarem em outros que, aos poucos, foram devolvendo a resistência e a vontade de viver ao meu corpo frio. Lutei contra a vontade que me impelia para o abismo do não-sei-onde e, com minhas últimas forças, gritei.
Um grito vindo do fundo do peito que expulsou todo o mal que me cercava e espantou a morte, dama que já podia ser vista no horizonte acinzentado daquele delírio. E assim abri meus olhos. Ainda te beijando, dormi o sono da tranqüilidade, que há muito não conhecia.
segunda-feira, 27 de julho de 2009
A NOIVINHA
Aliança na mão direita, que tenta exibir qual bandeira solta ao vento, lá vai ela, quase menina, com um sorriso íntimo de vitória.
No mundo de compras do enxoval, um sonho específico e carinhoso para cada peça. No telefone que toca, a esperança de ouvir a voz do amado. No travesseiro das noites insones, planos para o futuro.
Sabe que nem tudo serão rosas, mamãe já disse. Sabe que a briga pela sobrevivência não será fácil, sem o papai para pensar por ela. Tem consciência disso, entretanto. Enfrenta a vida, o céu e a morte pela sua realização: casar e ter filhos, ser a dona da casa e do seu nariz.
Sinceramente, invejo sua coragem quase irresponsável, idêntica à dos heróis de capa e espada, de ir em frente na busca de um ideal, nada mais importando para isso. Nós, mais calejados, sabedores dos dramas que a vida reserva na convivência a dois, rezamos para que a quase-menina se imponha a tudo e a todos, sejam quais forem os sacrifícios a serem superados para, com inteligência e o amor que traz em si, manter o mesmo sorriso e os mesmos sonhos que a farão vitoriosa pela eternidade.
Amém.
No mundo de compras do enxoval, um sonho específico e carinhoso para cada peça. No telefone que toca, a esperança de ouvir a voz do amado. No travesseiro das noites insones, planos para o futuro.
Sabe que nem tudo serão rosas, mamãe já disse. Sabe que a briga pela sobrevivência não será fácil, sem o papai para pensar por ela. Tem consciência disso, entretanto. Enfrenta a vida, o céu e a morte pela sua realização: casar e ter filhos, ser a dona da casa e do seu nariz.
Sinceramente, invejo sua coragem quase irresponsável, idêntica à dos heróis de capa e espada, de ir em frente na busca de um ideal, nada mais importando para isso. Nós, mais calejados, sabedores dos dramas que a vida reserva na convivência a dois, rezamos para que a quase-menina se imponha a tudo e a todos, sejam quais forem os sacrifícios a serem superados para, com inteligência e o amor que traz em si, manter o mesmo sorriso e os mesmos sonhos que a farão vitoriosa pela eternidade.
Amém.
quarta-feira, 4 de março de 2009
O CONTADOR DE CASOS
Nós nos divertíamos com ele. Lá pelas tantas, começava a contar suas histórias, casos de amor, conquista de corações e, até mesmo, brigas e agressões com as quais se envolvera vida afora. Sempre as mesmas bravatas, só que repetidas com imagens e razões diferentes das contadas em noites anteriores.
Franzino, mas dono de uma possante voz abaritonada, só faltava subir nas mesas que ocupávamos para dar uma teatralidade maior aos acontecimentos narrados.
Ouvíamos num silêncio atento, mas divertido, com direito a, vez por outra fazer perguntas que permitissem ao narrador explicar melhor alguns fatos menos claros e, nesse momento, dava-se a ele a oportunidade de inovar, de crescer ou de omitir algo anteriormente falado e que, muitas vezes, mudava inteiramente o “roteiro” já conhecido pelos ouvintes.
Ninguém ria nem protestava pelas repetições, até porque a cada noite, eram alteradas pela mente inventiva do autor.
Naquela mesa éramos seis que raramente faltavam ao chopinho da sexta, após o expediente. Ele, entretanto, surgira sabe-se lá de onde e quando, para ocupar um lugar entre o grupo de amigos. Ninguém sabia ao certo quem era, pois, além do nome – Macedo – e dos ternos bem talhados, só disser que era casado com uma linda mulher e nada mais.
Eis que certa noite, não apareceu e a partir dali, sumiu. Claro que a ausência foi sentida e nós mesmos passamos a contar suas histórias, acrescentando novos detalhes “colhidos” durante a semana de trabalho e que trouxessem maior encantamento à narrativa.
Foi assim que resolveram escrevê-las e, pouco depois, imprimi-las. A troca de informações via Internet se intensificaram e acabaram por fazê-las circular e serem apropriadas por blogs e “sites” diversos.
Só então tomamos conhecimento da verdade. Eis que numa sexta-feira surge um Macedo furioso. Como todos nós, sua mulher leu as publicações na Internet e “peitou” o marido, única pessoa a quem mostrava seus escritos e que, vez por outra, os “enriquecia” com as modificações surgidas na nossa mesa de bar.
Macedo tinha quase certeza de que seríamos os responsáveis pela divulgação das histórias, embora falsamente negássemos o fato, fazendo cruzes com os dedos sobre os lábios, jurando que dali nada saíra. Virou as costas e se foi. Nós após breve silêncio e numa troca de olhares, explodimos numa gargalhada, tão logo ele dobrara a esquina, lamentando pela pobre escritora que, se quisesse editar suas obras, teria de começar do zero.
No encontro da semana seguinte, após comentarmos o fato e na certeza do sumiço definitivo do nosso narrador predileto, ouvimos um dos companheiros dizer, de forma séria e com o olhar perdido, imitando o estilo do Macedo:
- Pois é, gente... Não imaginam o que me aconteceu ontem.
Foi interrompido por uma estrondosa vaia que definiu, ali, a mudança radical dos assuntos tratados naquela mesa, onde voltaram a imperar os papos que sempre envolvem a conversa de dois ou mais homens num bar: mulheres, mulheres, mulheres.
Franzino, mas dono de uma possante voz abaritonada, só faltava subir nas mesas que ocupávamos para dar uma teatralidade maior aos acontecimentos narrados.
Ouvíamos num silêncio atento, mas divertido, com direito a, vez por outra fazer perguntas que permitissem ao narrador explicar melhor alguns fatos menos claros e, nesse momento, dava-se a ele a oportunidade de inovar, de crescer ou de omitir algo anteriormente falado e que, muitas vezes, mudava inteiramente o “roteiro” já conhecido pelos ouvintes.
Ninguém ria nem protestava pelas repetições, até porque a cada noite, eram alteradas pela mente inventiva do autor.
Naquela mesa éramos seis que raramente faltavam ao chopinho da sexta, após o expediente. Ele, entretanto, surgira sabe-se lá de onde e quando, para ocupar um lugar entre o grupo de amigos. Ninguém sabia ao certo quem era, pois, além do nome – Macedo – e dos ternos bem talhados, só disser que era casado com uma linda mulher e nada mais.
Eis que certa noite, não apareceu e a partir dali, sumiu. Claro que a ausência foi sentida e nós mesmos passamos a contar suas histórias, acrescentando novos detalhes “colhidos” durante a semana de trabalho e que trouxessem maior encantamento à narrativa.
Foi assim que resolveram escrevê-las e, pouco depois, imprimi-las. A troca de informações via Internet se intensificaram e acabaram por fazê-las circular e serem apropriadas por blogs e “sites” diversos.
Só então tomamos conhecimento da verdade. Eis que numa sexta-feira surge um Macedo furioso. Como todos nós, sua mulher leu as publicações na Internet e “peitou” o marido, única pessoa a quem mostrava seus escritos e que, vez por outra, os “enriquecia” com as modificações surgidas na nossa mesa de bar.
Macedo tinha quase certeza de que seríamos os responsáveis pela divulgação das histórias, embora falsamente negássemos o fato, fazendo cruzes com os dedos sobre os lábios, jurando que dali nada saíra. Virou as costas e se foi. Nós após breve silêncio e numa troca de olhares, explodimos numa gargalhada, tão logo ele dobrara a esquina, lamentando pela pobre escritora que, se quisesse editar suas obras, teria de começar do zero.
No encontro da semana seguinte, após comentarmos o fato e na certeza do sumiço definitivo do nosso narrador predileto, ouvimos um dos companheiros dizer, de forma séria e com o olhar perdido, imitando o estilo do Macedo:
- Pois é, gente... Não imaginam o que me aconteceu ontem.
Foi interrompido por uma estrondosa vaia que definiu, ali, a mudança radical dos assuntos tratados naquela mesa, onde voltaram a imperar os papos que sempre envolvem a conversa de dois ou mais homens num bar: mulheres, mulheres, mulheres.
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
PAPO A RESPEITO DA SOLIDÃO
Não sei se pelo carnaval que limita o assunto da televisão a um só programa, Escolas de Samba,obrigando-me a procurar outra diversão; não sei se pelo horário -a noite já vai grande - talvez pelo silêncio que me imponho para não atrapalhar quem dorme a poucos passos de mim, mas pela primeira vez em muito tempo, sinto-me solitário.
Conheci um jornalista que ao se aposentar, foi morar num apartamento do primeiro andar de um prédio na avenida Nossa Senhora de Copacabana, caminho quase obrigatório de todos os ônibus que saem daquele bairro. A barulheira dentro da casa era terrível e só diminuía um pouco, lá pelas tantas da madrugada. Vivia só e intitulava-se como um "eremita moderno", ou seja, enquanto quisesse estaria trancado naquele apartamento, mas sabendo que a poucos passos - um andar, melhor dizendo - havia toda a população de um bairro que não dorme. Surpreendeu-se quando o chamei de solitário covarde, já que se impunha um "modus vivendi" que, sabia, poderia ser interrompido quando o primeiro sinal de pânico toldasse a tal solidão. Mudou, então, o título para "eremita psicológico" e, rindo, dispensou qualquer comentário adicional que eu quisesse fazer.
A minha sensação é diferente, como se um peito vazio não aceitasse as batidas do coração; do grito dado no cume de uma montanha e que não trouxesse de volta o eco do meu desespero. Estranho, muito estranho... Ouvi uma entrevista com o Ariano Suassuna, na qual ele diz que "nem tudo que existe é crível" e, de repente, familiarizo-me com meus fantasmas que não vejo, mas sinto, e podem de fato existir e fazerem-me companhia nesse momento de desconforto. Presto atenção a um possível vulto que passa por mim, mas que só minha consciência detectou. Será a culpa por algum procedimento anterior, projetado como um "flash" momentâneo; será um pensamento perdido em algum momento da vida dos que circularam por aquela sala e que se fixou ali ou realmente existe e não posso acreditar só porque se apresentou de uma forma diferente da imposta aos que têm a mente presa na dimensão em que vivemos?
Complicado, mas factível. Divirto-me pensando que com ele não irei jogar uma partida de xadrez ou comentar os fatos da semana que passou, porém de uma forma ou de outra, esses novos pensamentos fizeram desaparecer a solidão e antes que outra sensação desagradável se faça presente, vou dormir... Afinal amanhã será outro dia...
Conheci um jornalista que ao se aposentar, foi morar num apartamento do primeiro andar de um prédio na avenida Nossa Senhora de Copacabana, caminho quase obrigatório de todos os ônibus que saem daquele bairro. A barulheira dentro da casa era terrível e só diminuía um pouco, lá pelas tantas da madrugada. Vivia só e intitulava-se como um "eremita moderno", ou seja, enquanto quisesse estaria trancado naquele apartamento, mas sabendo que a poucos passos - um andar, melhor dizendo - havia toda a população de um bairro que não dorme. Surpreendeu-se quando o chamei de solitário covarde, já que se impunha um "modus vivendi" que, sabia, poderia ser interrompido quando o primeiro sinal de pânico toldasse a tal solidão. Mudou, então, o título para "eremita psicológico" e, rindo, dispensou qualquer comentário adicional que eu quisesse fazer.
A minha sensação é diferente, como se um peito vazio não aceitasse as batidas do coração; do grito dado no cume de uma montanha e que não trouxesse de volta o eco do meu desespero. Estranho, muito estranho... Ouvi uma entrevista com o Ariano Suassuna, na qual ele diz que "nem tudo que existe é crível" e, de repente, familiarizo-me com meus fantasmas que não vejo, mas sinto, e podem de fato existir e fazerem-me companhia nesse momento de desconforto. Presto atenção a um possível vulto que passa por mim, mas que só minha consciência detectou. Será a culpa por algum procedimento anterior, projetado como um "flash" momentâneo; será um pensamento perdido em algum momento da vida dos que circularam por aquela sala e que se fixou ali ou realmente existe e não posso acreditar só porque se apresentou de uma forma diferente da imposta aos que têm a mente presa na dimensão em que vivemos?
Complicado, mas factível. Divirto-me pensando que com ele não irei jogar uma partida de xadrez ou comentar os fatos da semana que passou, porém de uma forma ou de outra, esses novos pensamentos fizeram desaparecer a solidão e antes que outra sensação desagradável se faça presente, vou dormir... Afinal amanhã será outro dia...
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
O BAILARINO
A mudança de endereço não significou qualquer elevação no “status”de Dirceu. Pelo contrário, Ondina, sua mulher, deixou para trás um número razoável de freguesas para as quais lavava e passava, já que na nova casa, se assim pudessem chamar os dois cômodos alugados e com o banheiro compartilhado, não havia espaço para essas atividades.
Evidente que o nível dos novos vizinhos, mais tranqüilos e atenciosos, deixava longe o do pessoal da favela de onde tinham saído. Mas não fora esse o motivo da troca de endereço. Dirceu, além de conseguir os dois cômodos por um aluguel muito baixo, passou a ficar bem mais próximo do centro da cidade, onde trabalhava como ascensorista num prédio comercial. Tinha, ainda, o filho Darcy, que podia ir a pé para o Quartel no qual cumpria o Serviço Militar. Ondina com o passar do tempo, certamente conseguiria um emprego de doméstica nas redondezas. Era só esperar que ficasse um pouco mais conhecida.
Darcy foi quem mais aproveitou a mudança. Ali podia usar as roupas que gostava, sem ouvir piadinhas idiotas dos malandros da favela. Esguio, ombros largos, tinha a boca rasgada demais para o seu gosto, mas no resto, até que se evidenciava entre os da sua idade.
Ainda estava naquele período mais duro do Quartel. Os primeiros três meses eram os que os exercícios, ordem unida e a prática de tiro esgotavam as reservas físicas dos recrutas. Depois, sabia, o grupo seria distribuído entre os pelotões e praticamente só faria os trabalhos internos, nos quais os oficiais e sargentos não queriam sujar as mãos. Havia, também, os serviços burocráticos em que se aproveitavam os de melhor nível cultural e, melhor ainda, se fossem bons digitadores. Ali depositava suas esperanças. Já iniciara o segundo grau e aprendera digitação ajudando uma vizinha a fazer trabalhos para alguns escritórios, aproveitando para defender uma grana extra, para seus gastos com diversão, que não tinha coragem de pedir ao pai.
Sabia que estava sendo observado pela Sargenteação, espécie de secretaria do Comando da Companhia, a partir do momento que travou conhecimento com o Cabo Marcos, por coincidência morador próximo do seu novo endereço. Embora evitasse ir e voltar do Quartel em sua companhia – o Cabo não gostava que o acompanhassem nesse trajeto - sempre o encontrava à noite, quando batiam longos papos.
Foi assim que tomou conhecimento da tradição que o Sargento Hélcio estabelecera. A Sargenteação era composta por ele, dois cabos e um soldado, este uma espécie de contínuo do “escritório”. Quando o soldado era promovido a Cabo ou ao dar baixa, indicava outro soldado para ocupar seu lugar. Isso, segundo Marcos, aconteceria no próximo mês de novembro e ele indicara Darcy para substituí-lo, o que justificava a cobrança maior do Sargento Hélcio, exigindo-lhe melhores resultados no período de treinamento pelo qual passava. Não sabia que alguns de seus trejeitos tinham sido observados pelo Sargento:
- Escute, Cabo. Você não acha esse soldado meio esquisito?
- Sargento, eu só acho que o Soldado Darcy, acima de tudo, é competente e atento às ordens que recebe.
- Certo... Só que se der algum ataque de viadagem aqui dentro, vou jogá-lo pela janela...
Todos riram, mas a presença de Darcy na Sargenteação era certa e assim, um mês antes da baixa do Cabo, já estava entre eles, aprendendo os serviços.
Com a saída de Marcos, Darcy passou longo período sem encontrá-lo. Dedicava-se às atividades do Quartel e embora o pai esperasse que ele seguisse a carreira militar, seus sonhos eram outros. Para evitar problemas de convivência com a família e amigos, guardava seus planos de se tornar bailarino em segredo.
Num fim de tarde encontrou-se com Marcos. Este arranjara um emprego muito bom e naquele dia estava recebendo seu primeiro contracheque, razão do convite para que fossem a uma churrascaria.
Jantaram e assistiram ao show onde enquanto ouviam o cantor, bailarinos dançavam num patamar mais elevado, atrás do artista. Incentivado pelas danças e cervejas bebidas, acabou contando seu segredo para o amigo, que o ouviu sem demonstrar qualquer surpresa. Ao contrário, aconselhou-o a procurar um professor ou alguém que conhecesse melhoro assunto, pois achava temerário que Darcy continuasse a se exercitar fundamentado, apenas, no que lia em revistas ou assistia em entrevistas e filmes. Naquele momento se justificava a musculatura desenvolvida dos braços e pernas de Darcy, obtidas em exercícios de alongamento e pesos, mantendo a elasticidade do corpo bem acima do naturalmente exigido e que visava dar-lhe condições de saltar ou sustentar uma bailarina no ar, sem qualquer demonstração de esforço.
Jamais tivera qualquer contato sexual. Tanto mulheres como homens, não o atraíam. Gostava, sim, de observar belos corpos harmônicos e bem trabalhados. Nada além disso. Por outro lado, procurava disciplinar-se e evitar os trejeitos afeminados que, muitas vezes, fizeram-no alvo de chacotas, principalmente enquanto morou na favela, de triste lembrança.
Marcos, sabedor dos sonhos de Darcy, procurou um amigo de seu pai, empresário teatral. Foi recebido calorosamente por Ismael que o conhecia desde criança e contou-lhe os planos do amigo. Conforme esperava, sofreu provocações por parte de Ismael, já que a impressão geral era a de que todo bailarino era homossexual e ter um amigo assim, não seria um bom cartão de visitas.
O importante é ter saído de lá com a carta de apresentação pretendida, endereçada a Neuza, bailarina famosa e diretora de uma companhia de danças. Tudo isso se deu sem o conhecimento do amigo. Assim, quando lhe entregou a carta, viu os olhos de Darcy cheios de lágrimas e seu sorriso rasgar a boca enorme.
Na data combinada, lá estava o rapaz frente-a-frente com Neuza. Mulata como ele, magra e com porte nobre. Leu a mensagem de Ismael como se não soubesse do que se tratava e examinou Darcy dos pés à cabeça, ignorando seu nervosismo. Segurou-o pela mão e levou-o para outra sala, imensa e sem móveis, exceto por um aparelho de som pousado sobre um banco tosco e fez com que se ouvisse um samba. Virou-se para Darcy e disse friamente:
- Vá lá, dance...
E Darcy dançou. Veio depois um jazz e, finalmente uma valsa clássica. O jovem se entregou de corpo e alma aos movimentos que seus reflexos ditavam. Repentinamente a música parou. Viu Neuza com os braços cruzados, olhando-o séria:
- O quê faz na vida, rapaz?
- No momento, nada. Acabo de me desligar do Exército...
Neuza interrompeu a conversa e caminhou na direção do escritório em que o tinha recebido. De costas e com um gesto de mãos, disse:
- Esteja aqui amanhã por volta das duas horas. Não coma nada pesado no almoço. Quero fazer uns testes com você.
Embora nada houvesse de concreto, o convite para retornar aumentou as esperanças de Darcy. Procurou por Marcos, mas não conseguiu encontrá-lo. Queria dividir a sensação de vitória com alguém que entendesse a importância daquele momento. Foi uma longa noite. No dia seguinte lá estava, duas em ponto, enfrentando o olhar sério de Neuza e a curiosidade de dois jovens mais ou menos de sua idade, que trajavam malhas apropriadas para a dança.
- Este é o rapaz de quem falei, disse a mulher para os outros que o olhavam curiosos.
Virou-se em direção de Darcy e ordenou, apontando para a porta onde se lia “Vestiário Masculino”:
- Vá até lá e troque-se. Tem uma malha pendurada. Vista e volte logo.
Pela primeira vez o rapaz se viu dentro de uma roupa daquelas. Justa como se formasse uma outra pele, não permitia que passasse despercebido o mínimo acúmulo de gordura. Imaginou, divertido, o Sargento Hélcio, com aquela barriga de bebedor de cerveja, num traje igual. Voltou sorrindo para a sala onde o grupo o esperava.
Momentos depois fazia exercícios de alongamento nas barras paralelas, acompanhando os movimentos dos outros dois companheiros e com intervenções constantes de Neuza, corrigindo sua postura. O exercício seguinte foi observar a dança dos dois bailarinos e tentar imitar seus movimentos num exercício solo. No momento em que a música parou, recebeu ordens para tomar um banho e retornar ao escritório.
Os músculos de Darcy doíam, o suor lavava seu corpo, mas estava feliz por ter enfrentado aquela experiência. Mesmo que não fosse aprovado, sabia o caminho a seguir.
- Você se saiu melhor que o esperado, disse Neuza. Já tinha alguma experiência com a dança?
Darcy contou-lhe dos exercícios que praticava às escondidas e as poucas aulas recebidas numa escola recomendada por um amigo. Naquele momento iniciava-se a carreira de um bailarino que não considerava a dança como um trabalho, mas como uma missão.
O jovem dedicava-se com um afinco cada vez maior, cumprindo as instruções e ensinamentos recebidos e esmerava-se no quanto podia, a cada gesto ou posição. O dinheiro era pouco, mas ajudava muito em casa, embora o velho Dirceu não apoiasse aquele negócio de filho bailarino. Se não apoiava, também não impedia e assim, Darcy crescia mais e mais.
Vieram as apresentações da Companhia de Danças, as viagens pelo Brasil e pelo mundo. Pode conhecer diversos países e o estudo da língua inglesa, exigido por Neuza como parte integrante da formação de qualquer bailarino, facilitava suas andanças.
Evidente que os preconceitos eram inerentes à profissão escolhida. Raciais em alguns lugares, sexuais em outros e ambos mais adiante. Isso não o incomodava. Sua cor e seu porte nos países nórdicos, por exemplo, promoviam interesse e até excitação por parte da platéia feminina.
Numa dessas viagens, recebeu convite de uma Companhia francesa de prestígio internacional para integrar seus quadros. Relutou, mas foi incentivado pela própria Neuza, entusiasmada com a possibilidade de um futuro brilhante para seu pupilo.
E lá se foi Darcy dançar para o mundo. Embora longe do Brasil por quase cinco anos, enviava suas economias para o pai que, após comprar um confortável apartamento na zona sul, adquiriu outros imóveis em bairros valorizados da cidade. “Afinal”, dizia Dirceu, “a gente não tem cultura, mas não é burro”. Assim garantia para o filho um futuro tranqüilo, quando a vida de bailarino acabasse.
Finalmente, a “tournée” incluiu o Brasil em suas andanças. Passaram por diversas capitais e concluíram as apresentações no Rio de Janeiro. Após conhecer a nova residência a aprovar as excelentes aplicações feitas pelo pai, Darcy aproveitou um momento de folga para procurar pelo velho amigo Marcos.
Afinal, se tudo aquilo estava acontecendo, era graças ao primeiro empurrão dado por ele. Guardava um carinho e uma gratidão profundos pelo amigo e, em seu inconsciente, torcia por poder fazer algo que facilitasse a vida de Marcos. Podia-se, naquele momento, considerar um homem rico.
Chegou à velha rua num táxi e com vestes mais discretas que às de costume, bateu palmas no portão da casa do amigo. Foi atendido por uma senhora que reconheceu como a mãe de Marcos. A mulher não se lembrava dele e com a traquilidade dos conformados, informou-lhe que Marcos morrera atropelado há cerca de dois anos.
Saiu dali em choque. Claro que jamais escreveu ou pediu notícias do companheiro, mas nunca poderia imaginar que acontecesse algo assim... Estava com vinte e cinco anos e Marcos seria, no máximo, um ano mais velho...
Na noite seguinte, deu-se a apresentação final da famosa troupe. Teatro Municipal lotado e Darcy, primeiro bailarino, fez uma apresentação elogiadíssima pela crítica e jamais esquecida pelos que a assistiram.
As lágrimas que escorriam por seu rosto quando voltou para agradecer aos aplausos de uma platéia de pé, poderiam ser entendidas como a emoção do artista que voltava vitorioso ao seu país depois de tantas andanças. Só Darcy sabia que era sua última homenagem ao amigo que se fora, aliás, só ele e Marcos que, tinha certeza, estava sorrindo e o aplaudindo também. De onde estivesse.
Evidente que o nível dos novos vizinhos, mais tranqüilos e atenciosos, deixava longe o do pessoal da favela de onde tinham saído. Mas não fora esse o motivo da troca de endereço. Dirceu, além de conseguir os dois cômodos por um aluguel muito baixo, passou a ficar bem mais próximo do centro da cidade, onde trabalhava como ascensorista num prédio comercial. Tinha, ainda, o filho Darcy, que podia ir a pé para o Quartel no qual cumpria o Serviço Militar. Ondina com o passar do tempo, certamente conseguiria um emprego de doméstica nas redondezas. Era só esperar que ficasse um pouco mais conhecida.
Darcy foi quem mais aproveitou a mudança. Ali podia usar as roupas que gostava, sem ouvir piadinhas idiotas dos malandros da favela. Esguio, ombros largos, tinha a boca rasgada demais para o seu gosto, mas no resto, até que se evidenciava entre os da sua idade.
Ainda estava naquele período mais duro do Quartel. Os primeiros três meses eram os que os exercícios, ordem unida e a prática de tiro esgotavam as reservas físicas dos recrutas. Depois, sabia, o grupo seria distribuído entre os pelotões e praticamente só faria os trabalhos internos, nos quais os oficiais e sargentos não queriam sujar as mãos. Havia, também, os serviços burocráticos em que se aproveitavam os de melhor nível cultural e, melhor ainda, se fossem bons digitadores. Ali depositava suas esperanças. Já iniciara o segundo grau e aprendera digitação ajudando uma vizinha a fazer trabalhos para alguns escritórios, aproveitando para defender uma grana extra, para seus gastos com diversão, que não tinha coragem de pedir ao pai.
Sabia que estava sendo observado pela Sargenteação, espécie de secretaria do Comando da Companhia, a partir do momento que travou conhecimento com o Cabo Marcos, por coincidência morador próximo do seu novo endereço. Embora evitasse ir e voltar do Quartel em sua companhia – o Cabo não gostava que o acompanhassem nesse trajeto - sempre o encontrava à noite, quando batiam longos papos.
Foi assim que tomou conhecimento da tradição que o Sargento Hélcio estabelecera. A Sargenteação era composta por ele, dois cabos e um soldado, este uma espécie de contínuo do “escritório”. Quando o soldado era promovido a Cabo ou ao dar baixa, indicava outro soldado para ocupar seu lugar. Isso, segundo Marcos, aconteceria no próximo mês de novembro e ele indicara Darcy para substituí-lo, o que justificava a cobrança maior do Sargento Hélcio, exigindo-lhe melhores resultados no período de treinamento pelo qual passava. Não sabia que alguns de seus trejeitos tinham sido observados pelo Sargento:
- Escute, Cabo. Você não acha esse soldado meio esquisito?
- Sargento, eu só acho que o Soldado Darcy, acima de tudo, é competente e atento às ordens que recebe.
- Certo... Só que se der algum ataque de viadagem aqui dentro, vou jogá-lo pela janela...
Todos riram, mas a presença de Darcy na Sargenteação era certa e assim, um mês antes da baixa do Cabo, já estava entre eles, aprendendo os serviços.
Com a saída de Marcos, Darcy passou longo período sem encontrá-lo. Dedicava-se às atividades do Quartel e embora o pai esperasse que ele seguisse a carreira militar, seus sonhos eram outros. Para evitar problemas de convivência com a família e amigos, guardava seus planos de se tornar bailarino em segredo.
Num fim de tarde encontrou-se com Marcos. Este arranjara um emprego muito bom e naquele dia estava recebendo seu primeiro contracheque, razão do convite para que fossem a uma churrascaria.
Jantaram e assistiram ao show onde enquanto ouviam o cantor, bailarinos dançavam num patamar mais elevado, atrás do artista. Incentivado pelas danças e cervejas bebidas, acabou contando seu segredo para o amigo, que o ouviu sem demonstrar qualquer surpresa. Ao contrário, aconselhou-o a procurar um professor ou alguém que conhecesse melhoro assunto, pois achava temerário que Darcy continuasse a se exercitar fundamentado, apenas, no que lia em revistas ou assistia em entrevistas e filmes. Naquele momento se justificava a musculatura desenvolvida dos braços e pernas de Darcy, obtidas em exercícios de alongamento e pesos, mantendo a elasticidade do corpo bem acima do naturalmente exigido e que visava dar-lhe condições de saltar ou sustentar uma bailarina no ar, sem qualquer demonstração de esforço.
Jamais tivera qualquer contato sexual. Tanto mulheres como homens, não o atraíam. Gostava, sim, de observar belos corpos harmônicos e bem trabalhados. Nada além disso. Por outro lado, procurava disciplinar-se e evitar os trejeitos afeminados que, muitas vezes, fizeram-no alvo de chacotas, principalmente enquanto morou na favela, de triste lembrança.
Marcos, sabedor dos sonhos de Darcy, procurou um amigo de seu pai, empresário teatral. Foi recebido calorosamente por Ismael que o conhecia desde criança e contou-lhe os planos do amigo. Conforme esperava, sofreu provocações por parte de Ismael, já que a impressão geral era a de que todo bailarino era homossexual e ter um amigo assim, não seria um bom cartão de visitas.
O importante é ter saído de lá com a carta de apresentação pretendida, endereçada a Neuza, bailarina famosa e diretora de uma companhia de danças. Tudo isso se deu sem o conhecimento do amigo. Assim, quando lhe entregou a carta, viu os olhos de Darcy cheios de lágrimas e seu sorriso rasgar a boca enorme.
Na data combinada, lá estava o rapaz frente-a-frente com Neuza. Mulata como ele, magra e com porte nobre. Leu a mensagem de Ismael como se não soubesse do que se tratava e examinou Darcy dos pés à cabeça, ignorando seu nervosismo. Segurou-o pela mão e levou-o para outra sala, imensa e sem móveis, exceto por um aparelho de som pousado sobre um banco tosco e fez com que se ouvisse um samba. Virou-se para Darcy e disse friamente:
- Vá lá, dance...
E Darcy dançou. Veio depois um jazz e, finalmente uma valsa clássica. O jovem se entregou de corpo e alma aos movimentos que seus reflexos ditavam. Repentinamente a música parou. Viu Neuza com os braços cruzados, olhando-o séria:
- O quê faz na vida, rapaz?
- No momento, nada. Acabo de me desligar do Exército...
Neuza interrompeu a conversa e caminhou na direção do escritório em que o tinha recebido. De costas e com um gesto de mãos, disse:
- Esteja aqui amanhã por volta das duas horas. Não coma nada pesado no almoço. Quero fazer uns testes com você.
Embora nada houvesse de concreto, o convite para retornar aumentou as esperanças de Darcy. Procurou por Marcos, mas não conseguiu encontrá-lo. Queria dividir a sensação de vitória com alguém que entendesse a importância daquele momento. Foi uma longa noite. No dia seguinte lá estava, duas em ponto, enfrentando o olhar sério de Neuza e a curiosidade de dois jovens mais ou menos de sua idade, que trajavam malhas apropriadas para a dança.
- Este é o rapaz de quem falei, disse a mulher para os outros que o olhavam curiosos.
Virou-se em direção de Darcy e ordenou, apontando para a porta onde se lia “Vestiário Masculino”:
- Vá até lá e troque-se. Tem uma malha pendurada. Vista e volte logo.
Pela primeira vez o rapaz se viu dentro de uma roupa daquelas. Justa como se formasse uma outra pele, não permitia que passasse despercebido o mínimo acúmulo de gordura. Imaginou, divertido, o Sargento Hélcio, com aquela barriga de bebedor de cerveja, num traje igual. Voltou sorrindo para a sala onde o grupo o esperava.
Momentos depois fazia exercícios de alongamento nas barras paralelas, acompanhando os movimentos dos outros dois companheiros e com intervenções constantes de Neuza, corrigindo sua postura. O exercício seguinte foi observar a dança dos dois bailarinos e tentar imitar seus movimentos num exercício solo. No momento em que a música parou, recebeu ordens para tomar um banho e retornar ao escritório.
Os músculos de Darcy doíam, o suor lavava seu corpo, mas estava feliz por ter enfrentado aquela experiência. Mesmo que não fosse aprovado, sabia o caminho a seguir.
- Você se saiu melhor que o esperado, disse Neuza. Já tinha alguma experiência com a dança?
Darcy contou-lhe dos exercícios que praticava às escondidas e as poucas aulas recebidas numa escola recomendada por um amigo. Naquele momento iniciava-se a carreira de um bailarino que não considerava a dança como um trabalho, mas como uma missão.
O jovem dedicava-se com um afinco cada vez maior, cumprindo as instruções e ensinamentos recebidos e esmerava-se no quanto podia, a cada gesto ou posição. O dinheiro era pouco, mas ajudava muito em casa, embora o velho Dirceu não apoiasse aquele negócio de filho bailarino. Se não apoiava, também não impedia e assim, Darcy crescia mais e mais.
Vieram as apresentações da Companhia de Danças, as viagens pelo Brasil e pelo mundo. Pode conhecer diversos países e o estudo da língua inglesa, exigido por Neuza como parte integrante da formação de qualquer bailarino, facilitava suas andanças.
Evidente que os preconceitos eram inerentes à profissão escolhida. Raciais em alguns lugares, sexuais em outros e ambos mais adiante. Isso não o incomodava. Sua cor e seu porte nos países nórdicos, por exemplo, promoviam interesse e até excitação por parte da platéia feminina.
Numa dessas viagens, recebeu convite de uma Companhia francesa de prestígio internacional para integrar seus quadros. Relutou, mas foi incentivado pela própria Neuza, entusiasmada com a possibilidade de um futuro brilhante para seu pupilo.
E lá se foi Darcy dançar para o mundo. Embora longe do Brasil por quase cinco anos, enviava suas economias para o pai que, após comprar um confortável apartamento na zona sul, adquiriu outros imóveis em bairros valorizados da cidade. “Afinal”, dizia Dirceu, “a gente não tem cultura, mas não é burro”. Assim garantia para o filho um futuro tranqüilo, quando a vida de bailarino acabasse.
Finalmente, a “tournée” incluiu o Brasil em suas andanças. Passaram por diversas capitais e concluíram as apresentações no Rio de Janeiro. Após conhecer a nova residência a aprovar as excelentes aplicações feitas pelo pai, Darcy aproveitou um momento de folga para procurar pelo velho amigo Marcos.
Afinal, se tudo aquilo estava acontecendo, era graças ao primeiro empurrão dado por ele. Guardava um carinho e uma gratidão profundos pelo amigo e, em seu inconsciente, torcia por poder fazer algo que facilitasse a vida de Marcos. Podia-se, naquele momento, considerar um homem rico.
Chegou à velha rua num táxi e com vestes mais discretas que às de costume, bateu palmas no portão da casa do amigo. Foi atendido por uma senhora que reconheceu como a mãe de Marcos. A mulher não se lembrava dele e com a traquilidade dos conformados, informou-lhe que Marcos morrera atropelado há cerca de dois anos.
Saiu dali em choque. Claro que jamais escreveu ou pediu notícias do companheiro, mas nunca poderia imaginar que acontecesse algo assim... Estava com vinte e cinco anos e Marcos seria, no máximo, um ano mais velho...
Na noite seguinte, deu-se a apresentação final da famosa troupe. Teatro Municipal lotado e Darcy, primeiro bailarino, fez uma apresentação elogiadíssima pela crítica e jamais esquecida pelos que a assistiram.
As lágrimas que escorriam por seu rosto quando voltou para agradecer aos aplausos de uma platéia de pé, poderiam ser entendidas como a emoção do artista que voltava vitorioso ao seu país depois de tantas andanças. Só Darcy sabia que era sua última homenagem ao amigo que se fora, aliás, só ele e Marcos que, tinha certeza, estava sorrindo e o aplaudindo também. De onde estivesse.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
CRISE, QUE CRISE?
Em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, um vendedor ambulante comenta:
- Crise? Que crise, m´eirmão... Tô vendendo minhas bijuterias que nem água... Passou o Natal e, ó, continuo no mermo ritmo. Se bobear, até contrato mais gente pra fabricar as peças.
Numa cobertura no Leblon, bairro de classe média alta (continuo insistindo: por que rico se intitula desse jeito? ) um grupo toma um uísque admirando a lua que reflete sua luz sobre o mar:
- Crise? Até agora não me afetou, diz um deles. Investi certo e nunca dei ouvidos aos “cantos de sereias” que volta-e-meia surgem no mercado financeiro. Dinheiro fácil, da mesma forma que surge, desaparece. Prefiro navegar em águas calmas a surfar em altas ondas. Quem tem equilíbrio e sabe analisar com frieza, não vai se preocupar nunca.
O empregado que serve aos ricaços, é primo do empresário camelô lá de Madureira. É claro que chega à conclusão de que a tal crise não passa de uma babaquice de um monte de otários espalhados pelo mundo.
Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Na verdade, muita gente séria aconselhada por seus agentes financeiros, viu nas propostas dos bancos bons investimentos cujas bases, entretanto, inexistiam e desabaram quando a verdade apareceu.
Afinal, eram ofertas de negócios de que a metade do mundo aceitou entrar e jamais poderia deixar de levar em conta o passado de seriedade e a segurança de tais instituições. Quando veio a derrocada, fortunas se tornaram pó.
E agora, para onde vai o mundo? As notícias são terríveis para as grandes potências e nem tanto assim para o Brasil, seguindo os analistas e o próprio Presidente Lula.
A nós, humilde maioria da população, nada há a fazer se não deixar o tempo passar e torcer para que nossos empregos se mantenham incólumes ao desespero que nos chega através das notícias da TV.
- Crise? Que crise, m´eirmão... Tô vendendo minhas bijuterias que nem água... Passou o Natal e, ó, continuo no mermo ritmo. Se bobear, até contrato mais gente pra fabricar as peças.
Numa cobertura no Leblon, bairro de classe média alta (continuo insistindo: por que rico se intitula desse jeito? ) um grupo toma um uísque admirando a lua que reflete sua luz sobre o mar:
- Crise? Até agora não me afetou, diz um deles. Investi certo e nunca dei ouvidos aos “cantos de sereias” que volta-e-meia surgem no mercado financeiro. Dinheiro fácil, da mesma forma que surge, desaparece. Prefiro navegar em águas calmas a surfar em altas ondas. Quem tem equilíbrio e sabe analisar com frieza, não vai se preocupar nunca.
O empregado que serve aos ricaços, é primo do empresário camelô lá de Madureira. É claro que chega à conclusão de que a tal crise não passa de uma babaquice de um monte de otários espalhados pelo mundo.
Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Na verdade, muita gente séria aconselhada por seus agentes financeiros, viu nas propostas dos bancos bons investimentos cujas bases, entretanto, inexistiam e desabaram quando a verdade apareceu.
Afinal, eram ofertas de negócios de que a metade do mundo aceitou entrar e jamais poderia deixar de levar em conta o passado de seriedade e a segurança de tais instituições. Quando veio a derrocada, fortunas se tornaram pó.
E agora, para onde vai o mundo? As notícias são terríveis para as grandes potências e nem tanto assim para o Brasil, seguindo os analistas e o próprio Presidente Lula.
A nós, humilde maioria da população, nada há a fazer se não deixar o tempo passar e torcer para que nossos empregos se mantenham incólumes ao desespero que nos chega através das notícias da TV.
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