Estava sozinho. A mulher viajara para assistir à mãe doente em São Paulo e os filhos, já casados, moravam no outro lado da cidade. Não conseguia prestar atenção no programa que passava na televisão. Seus pensamentos voavam sem se deterem em nada. Surgiu a vontade de tomar uma cerveja. Na geladeira, sabia não haver nenhuma. Aliás, há tempos deixara de lado o hábito de bebê-las enquanto assistia o futebol, para evitar a implicância de Carmem com a molhação que fazia na pequena mesa de centro, onde sempre esquecia o copo. Sair nas sextas após o expediente, para encontrar amigos em um bar qualquer e bater o chamado “papo furado” esquecera, graças à cara fechada da mulher que insistia em querer acompanhá-lo.
Levantou-se e em poucos minutos trocara de roupa e trancava a porta da casa. Meio inseguro em princípio, resolveu escolher um lugar longe de onde morava. Sabia que sua presença por ali num boteco qualquer, daria motivos para fofocas durante semanas. O barzinho escolhido até que era simpático. Preferiu a mesa do canto, embaixo do toldo que ocupava metade da calçada e ficou por ali ouvindo a música tocada por um desses grupos que pulam de bar em bar nas calçadas da Zona Sul, em busca de uns trocados. As batatas fritas, companheiras fiéis dos chopinhos, estavam uma delícia e ali teria ficado quieto com seus pensamentos, não fosse alguém gritar alegremente:
- Batista, que bons ventos o trazem de volta à boemia!
Lá estava Nilton, seu velho companheiro dos tempos de solteiro, grande como sempre e com uma cintura bem mais larga daquela de épocas em que faziam musculação, ávidos por impressionar as meninas na praia. Com ele, mais três rostos não totalmente estranhos sorriam também. Sim, eram contemporâneos menos próximos, mas partícipes das amalucadas aventuras da juventude.
Migrou para a outra mesa e sentiu-se mais confortável, tendo com quem conversar. E como tinham assuntos a colocar em dia, meu Deus! Era o único ainda casado com a mesma mulher; todos já tinham netos, mas só ele renunciara aos encontros marcados a cada semana num bar diferente, sob o pretexto de acharem o melhor chope da cidade; continuava proibido entre eles, falar de (suas) mulheres ou problemas familiares. Era uma reunião para desopilar o fígado, diziam.
A noite passava rapidamente, até que em determinado momento surge um tumulto. O homem alto e atlético fora até o Caixa e com uma pistola em punho, pegara todo o dinheiro disponível. Alguns clientes sentados na parte interna do bar, começaram com a gritaria. O assaltante, nervoso, disparou em direção ao teto e aproveitando a confusão, correu na direção da saída. Nilton sem se levantar, esticou a perna fazendo o bandido tropeçar, cair e largar a arma. Somente Batista notou a presença do cúmplice na calçada, posicionando-se para defender o companheiro. Encorajado pelos muitos chopes bebidos, fingiu correr da baderna em direção à rua, deu a volta e pegou o homem pelas costas, numa gravata que, nos velhos tempos, jamais alguém se livraria. O sujeito praticamente ignorou o famoso golpe, mas conseguiu evitar que sacasse a arma e rolou agarrado a ele pelo chão. Só então chamou a atenção dos companheiros que mesmo não entendendo o motivo da “briga paralela” imobilizaram o sujeito e, aí, souberam de quem se tratava.
A polícia chegou em poucos minutos e as palmas e aclamações dos frequentadores do bar, não livraram os heróis - Batista, Nilton e os demais companheiros - de darem com os costados na Delegacia, onde repórteres de plantão se encarregaram da publicidade do fato.
Na manhã seguinte foi acordado por um dos filhos, assustado com a notícia de primeira página, onde a foto do pai e seus amigos era destaque; a mulher voltou imediatamente de São Paulo, sob o velho pretexto de: “Não posso deixar o Batista sozinho um dia que ele desanda a fazer besteiras.” Só não contava encontrá-lo com o corpo doído, algumas escoriações, mas feliz com a reverência dos vizinhos:
- Eu sempre achei o Seu Batista com um jeito de homem que resolve... Dizia Dona Olinda.
- É bom saber que a gente tem alguém desse quilate por perto... Falava o Seu Nelson, velhinho simpático do quatrocentos e três.
Carmem desistiu da bronca ensaiada desde que saíra de São Paulo, principalmente por sentir que tudo aquilo fizera um bem enorme ao velho companheiro, cujo olhar voltara a brilhar como antigamente.
No final da outra semana, comunicou abrir mão das exigências que impediam Batista de encontrar com os amigos e não aceitou o convite para ir na reunião seguinte, como convidada de honra, por saber que dificilmente agüentaria uma noite inteira de bravatas, contadas pelos, agora, heróis dos bares cariocas.
Tudo, menos isso. Afinal, sua paciência tinha limites.
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