terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O DESASTRE

A pancada foi forte e depois a escuridão. Não sentiu qualquer dor e quando acordou, estava de pé no asfalto, com os olhos fixados num local poucos metros à frente, para onde corriam muitos homens. Divisou um monte de ferros retorcidos no meio de muitos destroços, aquilo que um dia fora um automóvel. O seu automóvel...

Mas o quê fazia ali parado? Como não se machucara no violentíssimo acidente? Nem um arranhão. Sequer amarrotara a elegante camisa esporte que usava pela primeira vez. Tenta se aproximar, mas as pernas não obedecem. Fica, ali, assistindo os soldados do Corpo de Bombeiros retirarem um corpo do meio daquela lataria disforme. Êi, aquele corpo era o dele. A ficha caiu rapidamente: “Morri... Ih, cara, eu morri...” Disse para si.

Não teve pânico e não viu luz alguma ou qualquer anjo vir recepcioná-lo, como sempre aprendera que aconteceria quando passasse “desta para uma melhor”. Corrigiu: “Daquela para esta aqui...”

Recuperara os movimentos e andava entre os que trabalhavam nos destroços . Só não conseguiu olhar para seu próprio corpo, nessas alturas sobre uma maca e coberto por aquele plástico preto que usam para esconder os cadáveres da curiosidade pública.

Levantou a cabeça na direção do céu, na esperança de ver algo que indicasse o caminho a seguir. Nada. O jeito era acompanhar o corpo, fosse para onde o levassem. Instituto Médico Legal. Nada de bom viu por ali. Corpos nas geladeiras acompanhados pelos que deviam ser seus espíritos, recusando-se a abandona-los. Batiam os queixos e se encolhiam de frio com a temperatura abaixo de zero graus naquelas gavetas. Ele não; ficavam como se paralisados; ele andava por ali embora não procurasse nada.

Eis que chega sua mulher para reconhecer o corpo. Engasga num soluço quando descobrem seu rosto. Afunda a cabeça no peito do pai – seu sogro – que deveria estar exultante com sua morte. Afinal, não gostava mesmo dele. Passou por sua cabeça a possibilidade de dar um susto naquele velho chato, mas não sabia como fazê-lo.

Dali para um velório de luxo – pelo menos estavam gastando seu dinheiro de forma a lhe prestarem uma última homenagem - onde a mulher acabou trocando o ombro do pai pelo do... Epa! Aquele cara é o Dida, namorado dela antes de se conhecerem... E que liberdade era aquela, de cabecinha no ombro e o troglodita alisando seu braço. Será que já havia alguma coisa antes da morte dele? Chegou mais perto e ouviu uma frase definitiva: “Calma, meu amor, dizia o Dida, agora que ele se foi, pode contar comigo definitivamente”.

A raiva era tanta, que deu um grito daqueles, tirados do fundo do peito. Foi aí que acordou. A mulher, assustada, sentada na cama a seu lado e ele com a camisa do pijama empapada de suor.

- O que foi, querido... Disse ela... Foi um pesadelo?

A resposta veio imediatamente:

- Espero que tenha sido, sua...Sua... Falsa.

Deitou-se novamente e rapidamente adormeceu, enquanto a mulher, com os olhos arregalados, perdeu o sono, definitivamente.